Empresas tem um papel fundamental na sociedade e colaboram com a descoberta de soluções conjuntas. Pandemia acelerou mudança de paradigmas e colocou o tema no centro da agenda corporativa.
José Maurício Fittipaldi e Marina Mattaraia
O tema do capital ético das empresas não surgiu a partir da pandemia de COVID-19, há muito a reflexão vinha sendo construída no mundo corporativo, nos governos e na sociedade. É inegável que a pandemia – e a crise sanitária, econômica e de valores – serviu de catalisador a acelerar tendências, obrigou a repensar o tema e trouxe consigo inúmeros desafios. É inevitável que ao depararmo-nos com problemas dessa magnitude ocorram transformações, cujo impacto e alcance ainda é difícil dimensionar.
No futuro teremos uma visão mais clara dos impactos da pandemia sobre a sociedade, mas é possível fazer uma análise destes efeitos sob a ótica do capital ético corporativo, não apenas derivada da crise sanitária, mas em função de mudanças que se encontravam latentes e foram aceleradas.
Nesse contexto, merece destaque a compreensão de que a solução de grandes problemas exige a adoção de um conceito-chave: colaboração. Esta concepção não se aplica apenas às questões trazidas pela pandemia, estende-se a todos os grandes problemas da humanidade, da crise ambiental e do clima à necessidade de inclusão. Assessorando clientes de diversos setores, observamos que a pandemia acelerou essa percepção, fazendo com que empresas se adaptassem ao contexto e se preparassem para colaborar – entre si e com seus stakeholders – para fazer frente à crise.
Houve também um movimento importante que levou o tema do capital ético para o centro da agenda corporativa. Por um lado este posicionamento central tornou possível muitas respostas dadas à crise; por outro, trouxe enormes desafios às corporações. Não se trata apenas de encontrar soluções de forma colaborativa, mas de comunicá-las efetivamente (para dentro e para fora da empresa), atendendo a estritos padrões de controle e conformidade.
As empresas presenciaram a importância da gestão de seu capital ético, ao mesmo tempo em que lidavam com problemas de gestão na criação e implementação – de forma colaborativa – de suas respostas. Gerir o capital ético é integrar uma rede. A evolução deste conceito está na raiz das discussões sobre gestão dos aspectos ESG e na percepção dos mercados financeiros da sua importância para a sustentabilidade dos negócios.
Sob uma perspectiva ampla, podemos resumir os desafios em três grandes núcleos: gestão, comunicação e compliance.
Gestão
A gestão de redes colaborativas envolvendo stakeholders continua sendo um grande desafio. Gerir cadeias de valor e suprimentos complexas, trabalhar em cooperação com fornecedores ou clientes, parceiros internos ou externos, sempre foi algo desafiador, que consome muito tempo das empresas. No caso específico da gestão do capital ético, um dos efeitos da crise foi o fato de que a magnitude do problema obrigou a todos entender o contexto, posicionar-se de acordo e colocar em prática planos de ação que não haviam sido previamente planejados.
As empresas foram obrigadas a colaborar em temas e áreas aos quais não estavam preparadas, envolvendo distintos departamentos e adotando medidas em tempo recorde. O fato de que seria impossível a qualquer agente dar respostas individuais ao problema fez com que corporações se abrissem para unir esforços e se engajassem em iniciativas das quais elas não eram necessariamente as protagonistas. Abrir mão de protagonismo é sem dúvida um tema relevante e traz consigo inúmero desafios de gestão.
Gerir o relacionamento em redes é uma mudança de paradigma. Essa “gestão em modo de colaboração” com atores variados tornou possível respostas mais rápidas e eficazes. As empresas mais preparadas sem dúvida saíram na frente, com grandes benefícios para a percepção sobre seu capital ético.
Comunicação
Os desafios de gestão foram acompanhados de mudanças nos processos de comunicação: o processo de colaboração e a relativização do protagonismo corporativo fazem com que toda a comunicação corporativa tenha que ser ajustada.
Profissionais já entenderam o recado: a atuação em conjunto com stakeholders variados – públicos, privados, ONGs – demanda estratégias de comunicação em que o importante são as histórias. A habilidade de entender esses processos e comunicar-se de forma eficiente foi essencial para que empresas pudessem passar pela crise.
A introdução de métricas para avaliação de resultados e metodologias para seleção de iniciativas com base em evidências ganhou importância no contexto das ações de sustentabilidade. À medida em que a sociedade e os mercados passam a exigir das empresas participação na resolução de problemas, planejar e medir o impacto de suas iniciativas passa a ser fundamental no contexto da sustentabilidade dos negócios e ampliação do capital ético das empresas.
Compliance
Em momentos de grandes mudanças, atuar em conformidade aos parâmetros estabelecidos é um grande desafio. Processos modificados, prazos reduzidos e necessidades urgentes não podem ser usados para a flexibilização dos parâmetros de conformidade de uma atuação ética e responsável. A manutenção destes parâmetros foi essencial para o fornecimento das soluções demandadas pelo contexto de crise, preservando o capital ético das empresas. Mais um tema que ganhou grande importância foi a gestão de impacto. A crise impõe não apenas o surgimento de iniciativas, mas também que sejam eficazes e produzam o impacto desejado. As empresas possuem um histórico de medição dos resultados de suas operações, mas nem sempre o mesmo pode ser dito em relação às ações de sustentabilidade e investimento social.
A edição pode ser vista no formato digital em www.aberje.com.br/ce
José Maurício Fittipaldi
Executivo com atuação internacional e advogado especialista nas áreas de direito público e regulatório nos setores de mídia, entretenimento, cultura e terceiro setor. É sócio fundador e CEO da Animus e sócio da CQS/FV, escritório jurídico especializado em terceiro setor.
Marina Mattaraia
Executiva nos temas ESG (environmental, social e governance), atuou por 20 anos em empresas internacionais de capital aberto nas áreas de infraestrutura, energia e mobilidade. Diretora comercial e de relacionamento da Animus.
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